"Assim caminhavam as tropas cansadas E os bravos tropeiros buscando pousada Nos ranchos e aguadas dos tempos de outrora Saindo mais cedo que a barra da aurora"
Luiz Gonzaga
O tropeirismo teve vários ciclos na história do Brasil, iniciando-se no séc XII e atingindo o séc XX. Afora sua inestimável importância econômica, descobriu novas terras, fundou cidades, levou e trouxe mercadorias, produção e cultura de um canto para outro do país e, para interesse de nosso Papo deste mês, levou ingredientes, criou receitas, permutou culinária por onde passou.
Um dos marcos iniciais do tropeirismo foi quando a Coroa Portuguesa instalou em 1.695 na Vila de Taubaté, a Casa de Fundição de Taubaté, também chamada de Oficina Real dos Quintos. A partir de então, todo o ouro extraído das Minas Gerais deveria ser levado a esta Vila e de lá seguia para o porto de Parati, de onde era encaminhado para o reino, via cidade do Rio de Janeiro.
O trajeto iniciava-se na altura da atual Jundiaí, passava por São Paulo de Piratininga e alcançava as margens do rio Paraíba do Sul, onde, em função do garimpo, se constituíram diversos arraiais - Mogi das Cruzes Jacareí, Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá, que até ao século XVIII se constituiu o maior entrocamento viário da região Centro-Sul da Colônia. Deste ponto, o caminho se bifurcava:
Para o Norte, para a serra da Mantiqueira, atravessando-a pela Garganta do Embaú, prosseguindo até atingir a região do rio das Velhas.
Para o Sul, passando pela Vila Falcão (atual Cidade de Cunha), descia a serra do Mar, alcançando Paraty, de onde se embarcava, via marítima, para Sepetiba, e daí, por terra, para o Rio de Janeiro
Cada comitiva era dividida em lotes de sete animais, cada um aos cuidados de um homem que os controlava através de gritos e assobios. Cada animal carregava cerca de 120 kg e chegava a percorrer até 3.000 km.
A comida do tropeiro era feita por mão de homem. Na tropa não havia mulheres, e mulheres também não iam ao rancho.
Os trens de cozinha vinham no jacá de caldeirão, alceado sempre no burro culatreiro.
Também no culatreiro vinha a comitiva, saco de munição ou saco de mantimentos, ou jacá de munição ou de mantimentos. O jacá de caldeirão era estreito, "da largura mesmo de um caldeirão e comprido. Do próprio trançado de taquara saía, de um lado, a tampa, que se fechava para fora". Nele iam os trens de cozinha, que eram da responsabilidade do Madrinheiro: 1 caldeirão de ferro com tampa, para o feijão; 1 panela de ferro de três pés, sem tampa, para fritar o torresmo e fazer o arroz; 1 ciculateira (chocolateira) de cobre ou de folha; o coador e sua armação; as xícaras de folha, ferro batido ou canequinhas esmaltadas; a cuia de meia cabaça. Nos vãos, calçados com palha de milho, iam os pratos louçados ou esmaltados, de ágata, as colheres, canecas de estanho e mesmo as lamparinas, com torcida de algodão cru, para o querosene, que era levado em garrafas.
O feijão, pó de café, farinha de mandioca ou de milho, carne de porco, toucinho, sal e açúcar iam no jacá ou saco de munição. Muito usado era o açúcar mascavo, conhecido como barro-de-telha, demerara, o mé-de-tanque, que por ser muito úmido ia pingando pelo caminho. Algumas tropas usavam açúcar cristal, e muitas, o açúcar rapadura. Outras levavam até mesmo arroz.
O fogão do tropeiro era a trempe... Era uma armação de três varas, que tanto podiam ser de ferro como de pau verde, colhido na hora. Firmadas em triângulo no chão, distantes uma da outra pouco mais de meio metro, as três varas se uniam no alto, fixadas por uma correia. Desta descia uma corrente de ferro, de uns vinte e cinco centímetros, que tinha à ponta um gancho, às vezes duplo.
Sob a trempe se amontoavam os gravetos e se acendia o fogo, colocando-se nesse borralho a ciculateira com água para o preparo do café. Era com esse fogão improvisado, raramente com fogareiro de ferro, ou com duas forquilhas armadas, que o Madrinheiro preparava a comida simples do tropeiro.
Pela madrugada, iniciando o dia, o menino armava a trempe e acendia o fogo. "Punha o toucinho para fritar na panela. O caldeirão vinha do outro fogo" com feijão cozido, e ficava de um lado, esperando. "A ciculateira já estava ali no borralho, esquentando a água". Frito o torresmo, era retirado. "Repartia a gordura, punha sal com o alho nela, fritava, pegava o torresmo com a colher, bem amassado com farinha, punha para esquentar com o feijão". Com a água já fervendo, era coado o café.
O pó de café era sempre de preparo doméstico.
Preparo do pó: "Soca no monjolo ou no pilão o café em coco, para sortá a casca. Alimpa ele e torra num tacho pequeno. Quando ele já tá bom torrado, mistura um pouco de rapadura raspada. Continua mexendo até ficar bem lustroso e preto. Aí vai esfriá na peneira. Dispois de frio, vorta pro pilão e a gente soca ele até vira pó. É bom socá duas pessoas, pruque vai ligeiro e o café não perde o cheiro".
"Põe água e rapadura raspada na ciculateira. Quando fervê bota o pó e deixa levantar a fervura. Aí joga um tição bem vermelho. O pó baixa pro fundo e já pode tomá o café".
A expressão “DAR COM OS BURROS N’ÁGUA” é de origem tropeira. Quando o rio ficava cheio demais, impedia a travessia. Sendo assim, eles diziam que “deram com os burros n’água” e optavam por esperar a água baixar, para seguirem com segurança.
“PICAR A MULA” é outra forma de falar da época que designava a divisão das centenas de animais, vindos dos caminhos do sul, em grupos menores para a venda em Sorocaba.
“QUEIMAR O ALHO” surgiu na época como uma brincadeira das esposas de tropeiros que queriam saber quem iria cozinhar nas viagens, uma vez que peão não sabia cozinhar, e sim queimar o alho. A expressão se perpetuou e deu nome a um evento gastronômico atual que acontece em diversas feiras agropecuárias.
Se vocês não puderem comparecer a um dos eventos da Queima do Alho, para que não fiquem apenas na vontade, uma receita tropeirista :
Macarrão de Comitiva
250 g de espaguete
300 g de carne de sol, dessalgada e picada em cubos pequenos
1 cebola grande picada
1 dente de alho picado ou laminado
1 pimenta dedo de moça picada
2 colheres de sopa de massa de tomate
sal a gosto
5 xícaras de caldo de carne
salsinha e cebolinha picadas para decorar
Aqueça óleo em um panelão e frite a carne, até que fique crocante e dourada
Junte o alho e a cebola, frite por 1 minuto,
Junte a massa de tomate e frite até começar a caramelizar
Coloque o macarrão quebrado uma ou duas vezes (quebrar em 3 partes), e deixe fritar, vá mexendo com cuidado, até começar a dourar
Comece a colocar o caldo, uma xícara de cada vez, o macarrão vai cozinhar junto com o molho, o que deixa o macarrão com mais sabor, repita a operação, até que esteja no ponto.
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