Em 1986 dois tristes episódios colocaram uma pá de cal no agonizante turismo judaico das montanhas Catskills, a 150 km de New York.
O Resort Grossinger’s, um complexo de 35 edifícios, num terreno de 5 km² que chegou a receber 150.000 hospedes por ano e tinha sua própria agencia de correio e aeroporto privado, além de ter a primeira pista de ski com neve artificial do planeta (1952), fechou suas portas.
No mesmo ano, outro gigante, o Concord, um resort com 1500 quartos e uma pista de golf listada entre as 10 melhores dos Estados Unidos, pediu concordata com posterior falência na década de 90
Estes dois gigantes, juntamente com o Brown’s, um resort de 473 suítes que chegou a ter um teatro, o The Jerry Lewis Theatre Club com 2.000 assentos, formavam o trio de ouro de uma região que chegou, no seu auge entre as décadas de 40 e 60 a ter 538 hotéis e 388 colônias de férias, condomínios de casas de veraneio e uma típica invenção local, os kokhaleyns, residências com quartos de aluguel com uma cozinha comunitária que tinha um número de fogões quase igual ao de quartos para que as idishe-momes da época pudessem fazer sua própria comida.
Em 1998 os hotéis não eram mais do que 10, não existia mais nenhum kokhaleyn e os condomínios e colônias de férias ou fecharam ou passaram a pertencer a organizações religiosas, em sua maior parte, hassídicas, para uso próprio.
Tudo começou no final da década de 10, quando um grupo de judeus poloneses e alemães foram alocados na região das Catskills em terras da agencia judaica para formar pequenas fazendas.
Mais ou menos na mesma época, os judeus que já estavam em New York começavam a prosperar e descobrir as maravilhas e benesses da classe média americana. Dente elas, uma que nunca tinha ouvido falar ou desfrutado em seus shtetls de origem, as férias!
Bem, por um lado fazendeiros que nunca haviam plantado e tinham terras, por outro, uma classe média ascendente ávida por lazer. Era fatal que muitos dos fazendeiros começassem a alugar quartos e bangalôs para os urbanoides endinheirados que queriam fugir do calor e da poluição da cidade grande e desfrutar o bom clima das montanhas
Inicialmente de trem e depois desfrutando do conforto dos carros e da recém-inaugurada Highway 17, milhares de famílias judias “subiam a serra” para desfrutar o local e as fazendas foram virando pousadas, hotéis e resorts do tamanho que descrevemos no primeiro parágrafo.
Depois vieram as colônias de férias, condomínios e a invenção judaica dos kokhaleyns (cook alone em inglês) que permitiam uma certa economia para as famílias, além de criarem hábitos e comportamentos peculiares:
A família mudava-se para um kokhaleyn e o marido ficava em New York de segunda a sexta-feira As terças a noite, na casa central ou na cozinha central era noite do Bingo. As quintas, noite do cinema, com exibição de matinê e soirée.
Os fornecedores de comida – aliás, 95 % dos estabelecimentos serviam comida casher - também eram típicos:
O caminhãozinho de Madnick, the Backer vinha as sextas com cupcakes.
O de Shimmy, the Pickle King as quintas com pepinos, tomate s verdes e pimentões em conserva.
Também as quintas vinha o mais querido de todos, Ruby, the Knish Man, com seus knishes de 12 cents.
Em meados da década de 50, os grandes hotéis e resorts já competiam pela frequência e a região chegava a receber 1 milhão de turistas por temporada. Uma das ferramentas de marketing foi a invenção do all inclusiv, com as três refeições incluídas na diária, no sistema all you can eat.
Os hotéis tinham luxuosos restaurantes e refeitórios que praticavam a boa cozinha casher asquenazi, mas “vestida para festa”.
Assim, o bom e velho Iouch era servido como Consomme Casher en Tasse.
O Hering em conserva como Deluxe Tomato Hering Salad Garni
O singelo Gefilte Fish virou Chilled Gefilte Fish Delicacy with Horseradish Cream
A Salada de Fígado era Chopped Deluxe Chicken Liver
O Tzimes era o imponente Coq des Abricots Mount Sormcino
Para o Shabat fazia sucesso a Triple K Ration: Kugel, Kishka e Kreplach.
E, é claro, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer dia do ano, o Borscht, quente ou frio, no prato ou no copo, era servido aos hectolitros.
Pois foi quando o Grossinger’s começou a anunciar seu Bosrscht 24/7 (24 horas por dia, sete dias da semana) que a região ganhou seu apelido que virou nome e sobrenome: Borscht Belt.
O local prosperou. A necessidade de atrações e lazer fez com que fossem criados teatros em todos grandes hotéis, onde começaram suas carreiras: Jerry Lewis, Groucho Marx, Rodney Dangerfield, George Burns, Joan Rivers, Cid Caesar, Milton Berle, Woody Allen e muitos outros, que acabaram por criar um estilo de humor que até hoje é conhecido nos Estados Unidos como Kosher Comedy.
Muitos casais conheceram-se e namoraram nas idílicas férias do Borscht Belt, que tinha até um local especial para os rapazes conhecerem e flertarem as moças, a Flirtation Walk do hotel Brickman. Alguns até casaram-se numa das 25 sinagogas da região.
Quem assistiu aos filmes Sweet Lorraine ( 1987 – Férias no Hotel Lorraine) e Dirty Dancing ( 1987 – Ritmo Quente) pode ter uma boa ideia do que era a vida social local
Shows de musica e teatro também marcaram época por lá: Cyd Charisse, Sammy Davis Jr, Bob Dylan, Benny Goodman, Al Jolson, Barry Manilow, Simon & Garfunkel, Joel Grey, Duke Ellington, Louis Armstrong foram alguns dos vários grandes nomes do show bizz americano que faziam, ao menos, uma apresentação por temporada em um ou mais dos grandes hotéis da região.
Outra característica dos local foi uma moda lançada pelo hotel Concord e copiada por seus grandes concorrentes, convidar grandes nomes do esporte para treinar no local durante o verão. Assim passaram temporadas por lá: Muhamad Ali, Rocky Marciano, Sony Liston, o time do Boston Celtics e outros.
A década de 60 trouxe a liberalização de costumes, a queda do antissemitismo e a baixa dos preços da aviação. E isto foi mortal para o Borscht Belt. As Famílias judias, agora completamente americanizadas, começaram a optar por visitar a Europa e outros balneários americanos onde antes não eram bem aceitas. Ficaram tristemente famosos os anúncios de hotéis de Miami Beach na década de 30: Always a View, Never a Jew ou Air-conditioned rooms available. Oceanfront luxury at low cost. Gentile clientele
As Catskills foram definhando aos poucos, os condomínios e colônias de férias sendo comprados por Yeshivas, congregações e associações judaicas, na sua enorme maioria de orientação ortodoxa, para seu uso interno e os hotéis foram fechando.
Um exposição da fotógrafa americana Marisa Scheinfeld, aberta no final do ano passado na Yeshiva University de New York mostra uma impressionante coleção de mais de 200 fotos de esqueletos e construções de hotéis e colônias de férias abandonados nas Catskills.
O Borscht Belt teve papel fundamental na sociedade judaico-americana, ensinando aos judeus imigrantes o American way of life, que acabou por devora-lo e destruí-lo...
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