Cut round on the top near to the outer edge with a chisel and hammer."
(Corte no topo perto da borda externa com um cinzel e um martelo)
Instruções numa lata de carne em conserva de 1824
Temos em nossas casas, especialmente em nossas cozinhas, uma enorme quantidade de instrumentos e utensílios que assumimos, sempre existiram, sempre estiveram lá. Alguns deles tem histórias bem interessantes. Vamos falar de dois deles neste Papo, o abridor de latas e o palito de dentes
Nossa história começa em 1799 quando Napoleão, eternamente preocupado com a alimentação de suas tropas, estabelece um prêmio de 12.000 francos (uma fortuna na época) para quem inventasse um modo de transportar comida por mais tempo sem deteriorá-la.
Entra em cena Nicolas Appert, chef e pesquisador que, 60 anos antes de Pasteur descobrir os micro-organismos, intuiu que isolar a comida do ar poderia conserva-la melhor. Passou 10 anos pesquisando o assunto e, em 1809 ganhou o prêmio e começou a fornecer comida em vidros e garrafas para o exército francês. Uma das condições do prêmio era não registrar a patente do invento e, em 1813, os ingleses Donkin e Durand forneciam para o exercito e para a marinha inglesa latas de alimentos, pois o vidro não poderia ser aceito pela marinha. As latas eram feitas de ferro revestido de estanho, na maioria das vezes pesavam mais que seu conteúdo, tinham uma fabricação lentíssima (6 a 8 latas por dia) e dificílimas de abrir. Daí a instrução que consta em nosso título
A primeira guerra em que as latas foram efetivamente usadas foi a da Secessão americana. As instruções eram pragmáticas: abrir as latas com a baioneta do fuzil ou, na falta desta, com um tiro...
Esta guerra levou a duas consequências: A primeira foi os soldados que retornaram para suas casas, consumindo comida enlatada, a mais famosa de todas, os feijões em lata, notadamente os Boston Baked Beans, que vemos em todos filmes de faroeste. A segunda foi motivar Robert Yates, um fabricante de instrumentos cirúrgicos a criar o primeiro abridor de latas conhecido em 1855 - portanto quase 50 anos depois da invenção das latas! Era um cabo com uma ou duas lâminas curvas, afiadíssimas, que alguns soldados chegaram a usar como arma de guerra.
Em 1858, um modelo mais complexo e menos perigoso foi criado por Ezra Warner. Conhecido como Bull’s Head (cabeça de touro), começou a ser utilizado domesticamente. Desta época datam também as primeiras latas de alumínio, mais leves e fáceis de abrir
Em 1870, William Lyman patenteia o primeiro abridor com lâminas rotativas e, de lá para cá, foram só aperfeiçoamentos
Alternativamente, em 1866, J. Osterhudt inventou e patenteou Chave de Igreja. Consistia de uma lata que no seu topo tinha uma lingueta onde era encaixada uma chavinha ( vinha presa a lata) que era enrolada ao redor da lata , “descascando-a” numa tira e abrindo-a, Este modelo ainda é utilizado por alguns fabricantes, como por exemplo a SPAM, conhecida entre nós como viandada ou fiambre.
O hábito de palitar os dentes deve ser tão antigo quanto o homem. Esqueletos e múmias encontrados por todo o mundo revelaram, entre os dentes, resíduos de espinhas de peixe, espinhos de plantas, gravetos e outros materiais que eram utilizados na higiene bucal, notadamente antes da utilização do fogo para cozer as carnes.
Já na Idade do Bronze, os palitos começaram a ser fabricados em bronze. Entre os romanos era característico o uso de palitos de prata entre as classes abastadas. Nero foi um colecionador de palitos de prata.
A rainha Elizabeth I recebeu um presente de 6 palitos de ouro que eram constantemente mostrados e utilizados em jantares de gala
Mas foi em Portugal, no séc. XVI, especificamente no Mosteiro do Lorvão, em Coimbra, que as freiras começaram a produzir palitos de madeira (de laranjeira) para dar a quem comprasse os doces pegajosos do Convento, que insistiam em grudar nos dentes dos clientes.
Em pouco tempo começaram a chegar pedidos de todo o mundo e as freirinhas mudaram seu negócio de doces para palitos, todos fabricados à mão. Estes palitos acabaram, obviamente, por chegar ao Brasil e, foi no Brasil que o comerciante americano Charles Foster os conheceu.
Impressionado com a praticidade e a qualidade dos palitinhos, levou-os aos Estados Unidos onde, em 1865, criou uma máquina para produzir quantidades gigantes de palitos e, também foi percursor do merchandising. Pagava para estudantes de Harvard irem ao Union Oyster House, o mais antigo e tradicional restaurante de Boston e, uma vez lá, após o jantar, pedirem palitos de dentes. Ora, se a elite intelectual de Harvard usava palitos, o país inteiro iria copiá-los. Pois em 1875 a produção americana era de 5 bilhões de palitos por ano, 3 deles da fábrica de Foster, que existe até hoje. A produção mundial de palitos anda ao redor de 100 bilhões de palitos, em que pese a opinião de diversos dentista e especialistas contra a utilização deste artefato, preferindo o fio dental. Estima-se que nos Estados Unidos, seu uso para coquetéis e aperitivos consuma algo entre 3 e 4 bilhões de unidades.
Bom, tá aí a curiosa história de dois dentre os inúmeros artefatos e utensílios da cozinha. Vamos voltar a este tema mais vezes
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